NOTÍCIAS | 11 de dezembro de 2018

Búzios é um sonho. Aretê é uma realidade

Por Fabiana Modiano

“O sono é como uma outra casa que poderíamos ter, e onde, deixando a nossa, iríamos dormir.” (Marcel Proust)

A imagem é de casa cheia. É o local onde passei minha infância – as melhores férias da minha vida, meu pequeno paraíso. As reminiscências estão por todos os cômodos, em cada retrato na parede. O vento vindo da praia percorre o corredor e esvoaça a cortina. É quando o mar, de um azul intenso, inunda a janela que emoldura a paisagem. Por muito tempo, a casa que meu avô Umberto Modiano idealizou, projetada por meu tio Claudio Modiano, irmão de meu pai, Eduardo Modiano, foi habitada por memórias indeléveis.

Em uma delas, lembro-me dele sentado à varanda recebendo as pessoas, das mais exigentes às menos cerimoniosas, e despachando assuntos corriqueiros da rotina de um investidor. Se por acaso surgisse uma reclamação, meu avô sabia perfeitamente como mudar o rumo da prosa. Pedia que o interlocutor parasse um instante e olhasse para a beleza do mar de Búzios, bem ali em frente.

Um mar que conhecíamos intimamente, a bordo do nosso Camafeu, a embarcação que fazia passeios náuticos partindo do Hotel Nas Rocas, na Ilha Rasa. Mais tarde, o Camafeuzinho, de uso exclusivo da família, zarpava até a beira das praias onde eu e minhas primas costumávamos nos divertir em meio aos buzianos. Foi em um desses passeios pela cidade que resolvi fazer minha primeira tatuagem, aos 16 anos, escondida dos meus pais. O que ela significava? Liberdade. E isso ainda é Búzios para mim: ser livre.

Meu avô era um homem festivo e generoso. Um sonhador contumaz, que não se contentava em apenas deixar no plano onírico o que visualizava. Por isso, muitas vezes as pessoas achavam que suas ações não mediam as consequências. Talvez seja esta justamente a virtude de quem sabe que construir um sonho demanda tempo e trabalho, muitas vezes calejando as próprias mãos. É como o cultivo do café que ele próprio exportava: até a florada, momento sublime que antecipa a colheita, há um longo e árduo trabalho para preparar a terra e cuidar da lavoura. Foi com o dinheiro dessas exportações que o aroma doce e persistente do café deu lugar ao cheiro leve e salgado da maresia, mudando definitivamente o rumo de toda a família.

 

Meu pai percebeu que a coragem era hereditária quando decidiu, após a morte de meu avô, sair da vida pública nos bastidores da economia e tomar a frente do Aretê. Teve ao seu lado o talento do Claudio, que faleceu de forma abrupta dois anos depois, antes de poder se tornar o grande arquiteto dessa aventura buziana.

Com seu jeito mais cauteloso, meu pai tratou de negociar o que estava inclusive fora do seu alcance. Há quem pense que durante algumas décadas o projeto esteve parado. Trata-se de um engano: durante todo esse tempo, ele esteve se movimentando para que tudo pudesse caminhar para frente, do modo como agora somos testemunhas. Sua cautela também ajudou a manter muitas terras em Búzios intocadas, permitindo que agora o Aretê as ocupe de forma linear e planejada.

Estava implícito na escolha da minha faculdade o que o destino me reservava. A advocacia entrou na minha vida porque meu pai, com sua visão empreendedora afiada, acreditava que era imprescindível ter alguém que respondesse juridicamente por esse enorme projeto familiar – que, no fim das contas, é de todos nós que amamos Búzios. Há três anos, foi a minha vez de contribuir com esse sonho. Ele morreu em 2017, quando o Aretê começava a se tornar uma realidade.

Herdei de ambos, pai e avô, a vontade de ver os planos sendo realizados, saindo do papel. Talvez eu seja a interseção dos dois: nem tão sonhadora, nem tão pragmática, mas igualmente sensível.

A casa até hoje está de pé. Foi reformada e houve até uma época em que quase foi ampliada. Quanto a mim, só consigo frequentá-la quando a mesma está cheia. Justamente como meu avô sempre gostou que ela estivesse. Repleta dessa brisa do mar que levanta as lembranças e as espalha por todos os cômodos. Respeitosamente, ela se abranda diante do batente do quarto principal, em que meu avô passava a maior parte do tempo. Ali, tudo permanece intacto. Ninguém se acomoda lá, mas as portas estão sempre abertas, como ele mesmo gostava de mantê-las. Inclusive, as portas das memórias. Estas, escancaradas.